Mossoró/RN, 10 de Junho de 2023

Era das narrativas: uma esperança

Estamos numa época historicamente dada em que as narrativas não são mais expressas em textos ou em espaços de sociabilidade reconhecidos onde a oralidade se impunha por interações face a face. Hoje, as narrativas estão em todo lugar e chegam de fato a qualquer lugar alcançado pelas tecnologias digitais e informacionais.

Nenhuma novidade até aí. O que se impõe de novo? São os desafios daqueles que, acostumados com as velhas formas de narrativas, de sobreviverem nesse turbilhão moderno líquido.

Não são mais textos de papel que se impõem como autoridades incontestáveis ou de peso no jogo das discussões e controvérsias.
Hoje, um vídeo no YouTube, uma live no Facebook ou no Instagram, uma postagem montada qualquer com frases soltas, tudo pode virar instrumento argumentativo. E viram realmente.

Vejo poetas e escritores desiludidos, pois como se manter num mundo em que se lê de forma fragmentada e – como na poesia – se lê cada vez menos?
Fui adestrado pela televisão. Perdi horas de minha vida vendo bobagens e todo tipo de lorota. Mas eram algumas horas por dia. Hoje uma criança pode ficar praticamente todo seu dia útil sob domínio de uma tecnologia informacional que praticamente nada traz de saber.

Informações em avalanches mas sem conteúdo. Muito próximo daquilo que Theodor Adorno chamou de “falsa formação” (sic).
Lemos pouco ou mudamos a ênfase do tipo de leitura?
Lembro que quando os manuscritos copiados a mão foram substituídos pelos livros impressos, haviam críticas similares às feitas hoje. Uma das mais belas passagens dessas críticas trazidas ao nossos meio está no livro (não no filme!!!!) “O nome da rosa” de Humberto Eco, onde o monje Jorge, o cego, reclama do fato de que todo mundo já produzia livros e não apenas os mosteiros.

Hoje todos podemos produzir textos e material de consumo intelectual. O que não significa barbárie e fim do mundo, mas o fim de velhas formas de narrativas e o advento de novas que, a velharada como eu, tem que se adequar.

Sei que o texto está longo e você nem chegou aqui, mas se chegou oba! Significa que ainda temos espaço para ler e escrever, para pensar e refletir, e que uma cortina de luz se abre sobre essas trevas aparentes.

Não porque meu texto seja bom ou minha reflexão correta: mas porque ler e pensar ainda é possível e sempre será uma marca humana. Demasiadamente, humana.

Postado em 10 de maio de 2019